quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Irá provar a crise nos mercados que o milagre chinês é uma falácia?


Desde que a crise imobiliária norte-americana se deu por iniciada em 2007, que muito se tem discutido sobre a sustentabilidade do poderio ocidental, leia-se, norte-americano. Muitos argumentaram, e argumentam ainda, que esta seria o inicio do fim de uma época onde os EUA eram a potência dominante, e simultaneamente o de baldar de um período onde estes se teriam de contentar com um papel mais secundário.
Ora, muito embora concorde que o que temos vindo a presenciar, não desde 2007, mas mais precisamente desde 2000, com o rebentar da bolha especulativa das Dot.Com, seja em definitivo o paulatino fim de um ciclo Histórico, este, só por si não marcara o fim do domínio Americano. Aquilo com que nos deparamos será algo mais profundo; será o fim de todo um modo de vida.
Com isto, não viso referir-me ao arrefecimento económico registados a nível de consumo, pois julgo que tal seria passar ao lado do cerne da problemática. Actualmente, vivemos num mundo globalizado, onde efeitos, positivos ou negativos se puderam repercutir em um processo de arrastamento por todo o globo, como se de uma viagem de circum-navegação se tratasse, um verdadeiro efeito de dominó, portanto. Por essa razão, o efeito presentemente sentido nos EUA repercutir-se-ão, passo a passo, sendo que estes apresentaram sintomas distintos, em cada uma das específicas regiões do globo.
Agora, focando com maior precisão esta análise, tenha-se em atenção os mais recentes desenvolvimentos na China, pois é aqui, e curiosamente não nos EUA ou na Europa que os principais resultados desta crise se iram produzir. Desde meados dos anos 1980, que as economias chinesas e norte-americanas iniciaram um processo de simbiose, sustentado na emissão de títulos da divida publica norte-americana, prontamente adquiridos pelo governo chinês. Dessa forma, garantia-se que o Estado Norte-Americano conseguisse financiar deficits orçamentais crescentes, baixar impostos e estimular o consumo interno. Em troca, o Governo Chinês via assim garantido um seu grande objectivo, a saber, baixos impostos e elevados índices de consumo, nos próprios USA. Isto, pelo facto de que a economia chinesa, é extremamente orientada para a exportação, não tende ainda hoje desenvolvido um mercado interno. Os seus produtos, por força de custos de produção extraordinariamente baixos, são altamente competitivos em uma Economia de Mercado aberta, onde as classes de consumidores de mais parcos rendimentos, por força da baixa de impostos e da abertura de linhas de crédito ao consumo nos anos de 1990, se encontraram em posição de aquisição. Todavia, esses novos rendimentos disponibilizados para consumo, abriram todo um novo “nicho de mercado”, o qual, para ser eficientemente aproveitado por parte do sector empresarial, levou a que este iniciasse um fenómeno de deslocação industrial para países onde os custos de produção seriam mais baixo, o que, em ultima analise, proporcionaria uma descida do preço dos bens junto do consumidor final, a saber, o tal consumidor de médios ou baixos rendimentos acima mencionado. Ora, um dos países escolhidos, tendo em vista essa deslocação, foi precisamente a China, o que aprofundou ainda mais o feito de simbiose acima mencionado.
Como resultado, a China passou a suportar, simultaneamente, não só a crescente derrapagem orçamental norte-americana, como também, uma parcela significativa do esforço industrial. Como resultado os índices de consumo norte-americanos, e de certa forma, do resto do mundo ocidental, continuariam numa linha crescente. O mercado de consumo interno seria, e é, o grande motor de crescimento das economias ocidentais, enquanto o mercado de exportações seria, e é, o alicerce do chamado “milagre chinês”.
Tudo seria perfeito, não fosse a crise imobiliária de 2007, que conduziu á crise bancária de 2008. Com estas, as premissas que nortearam o crescimento económico do Mundo Ocidental desde 1980 foram claramente postas em causa, o que levanta a seguinte questão: Até que ponto, será a presente simbiose económica com a China pertinente? A quebra dos índices de consumo, por exemplo, na construção civil em Espanha revela que o crescimento económico alicerçado em um mercado interno auxiliado por acesso a crédito fácil e a altos níveis de endividamento já não é viável. A Espanha encontra-se agora em recessão técnica. Em um mundo novo, onde aparentemente a inflação já não será a grande preocupação, mas sim a empregabilidade e a restauração nos níveis de poupança, será pertinente começar a equacionar a possibilidade de uma nova concentração industrial nos países ocidentais, retirando as indústrias da china. Afinal, poder-se-á dizer que a utilidade chinesa, de um ponto de vista puramente económico se deu por finalizada. O mundo da geopolítica é pautado pelo pragmatismo dos interesses, onde a verdade e a utilidade de hoje serão a mentira e a inutilidade de amanha e vice-versa
Termino, relembrando a velha exposição que os mestres gregos, na Época Clássica, faziam acerca da falácia das premissas:”Todos os cães têm quatro patas. O meu gato tem quatro patas. Logo, o meu gato é um cão.”

domingo, 23 de novembro de 2008

A insolvência como instrumento de reorganização do sector automovel: Um caminho possivel para a GM

Nestes últimos tempos, temos vindo a assistir ao que certos autores, entre os quais se destaca o celebrem Francis Fukuyama, designaram “O Fim da Era Reagan-Thatcher”. Aparentemente, ao contrario do que era pensamento corrente nos saudosos loucos anos 90, a Historia ainda não atingiu o seu estádio evolutivo último. A sociedade ocidental liberal e de Mercado não será afinal a apoteose de toda uma caminha. A ausência de titularidade por parte dos intervenientes no tecido produtivo, leia-se consumidores e produtores, de informação prefeita e da inerente impossibilidade de formulação de escolhas perfeitas plenamente racionais e objectivas levaria á necessidade de abandono deste modelo que se havia demonstrado como sendo perfeitamente bananeiro. Esta ausência de racionalidade prefeita e de um equilíbrio entre oferta e procura levaria á necessidade do preenchimento de um vazio deixado entre Consumidor © e Produtor (P) pelo Governo (G). Este velho-novo equilíbrio de cariz keynesiano estaria perfeitamente revelado nos sucessivos “bail outs” que temos vindo a assistir por este Mundo Globalizado fora, e do qual se destaca o Norte-Americano, não só pela avultosa soma de 700 Biliões de dólares envolvida, como também pelo seu simbolismo. É do país de Reagan, para o qual havia emigrado o “monetarismo”, que parte o sinal do falhanço das premissas do “laissez-faire”.
Contudo, esta nova ânsia interventiva do Estado no sector privado, embora compreensível, carrega consigo o sério risco de alastramento para outros sectores do tecido económico, como se de uma verdadeira epidemia se trata-se. Nesta semana, muito se tem discutido sobre a necessidade de um novo “bail out”, desta vez direccionado para o sector a automóvel. Mais uma vez, são os ventos que sopram dos Estados Unidos que moldam o tom da discussão, sendo que, neste caso especifico, o teor simbólico envolvido, a meu ver, reduz a uma mera nota de rodapé nos anais da Historia o “bail out” anterior. Afinal, convêm não esquecer o profundo significado do automóvel não só na psique americana, como também na mundial. Desde os seus primórdios, com o Fordismo que o sector automóvel era um sinonimo de pujança, poder, sucesso.
Ora, as ultimas noticias sobre o estado calamitoso do grupo General Motors (GM) como que deita por terra toda essa imagem, como se o fim de um certo modo de vida se trata-se De facto, olhando mais atentamente para a situação concreta do grupo, verifica-se que a rede de relações em que este é parte foram pensadas para uma era já finda. Relações essas que a não serem repensadas esgotaram qualquer sinal de vida que ainda reste. Porventura, o melhor será ponderar a possibilidade de proporcionar ao grupo uma morte assistida, de admitir a pratica de uma “eutanásia empresarial” ao caso sub Judice.
Passo a explicar: Depois de nos últimos 42 anos a cota de mercado do grupo ter deteriorado de 53% para 20% do Mercado Automóvel a escala mundial, a GM ainda é titular de 8 marcas de automóvel (Cadillac, Saab, Buick Pontiac, GMC, Saturn, Chevrolet e Hummer), contra, respectivamente, 3 marcas da Toyota (19% de cota de Mercado) e 2 da Honda (11% de cota de Mercado), os seus concorrentes directos.
A GM terá cerca de 7000 revendedores, apenas nos Estados Unidos, contra os menos de 1500 da Toyota, e os cerca de 1000 da Honda. Esta maior concentração, por parte dos seus concorrentes asiáticos, possibilita-lhes tanto uma maior capacidade de armazenamento, como uma disponibilidade para apresentar uma maior panóplia de serviços. A GM necessitaria de menos revendedores, inclusive, de menos marcas de automóvel. Contudo, relembremo-nos do velho brocardo romanista, “pacta sunt servanda”, os contratos são para comprir, que neste caso será de relembrar religiosamente, visto que os revendedores, nos EUA, se encontram protegidos contra uma quebra do contrato a nível do legislador estadual, o que torna tal acção astronomicamente dispendiosa para o Grupo. Note-se ainda, que uma percentagem cada vez mais significativa da despesa da GM se destina a pagar pensões de reforma para os seus antigos funcionários. Dá-se inclusivamente a situação assaz caricata de, actualmente, a maioria da despesa com trabalhadores se direccionar para a categoria de antigos funcionários já reformados. Paralelamente, a todo a grupo empresarial do em sentido concreto, este ainda comporta uma dimensão em sentido lato; a saber, toda a miríade de infra-estruturas de pequena ou media dimensão que dependem do grupo para assegurar os seus níveis de facturamento, como será o caso, dos fornecedores. Todos os sujeitos ou entidades acima mencionados pretendem que o presente status quo que se vive na GM seja protegido, mais precisamente, dadas as actuais circunstancias no cenário global, por um “bail out” ao grupo. Ora, em meu entender, uma injecção de capital neste produzirá efeitos nocivos, na medida em que possibilitaria a sobrevivência de um status quo que já não é do todo viável, visto que, uma vez dotados do capital, a pressão para mudanças profundas, isto é, para a reestruturação da empresa, seriam atenuadas, senão mesmo por completo afastadas, o que conduziria a que, a médio prazo, uma nova necessidade de intervenção estadual se tornaria premente, com o pequeno pormenor que aí os montantes envolvidos seriam significantemente superiores aos agora discutimos, nem que fosse por um aumento do número de reformados. De certa forma, poder-se-ia dizer que uma parte do problema da GM é semelhante á questão da solvência da Segurança Social. Aí, os governos ao invés de procurar um incremento da sua intervenção, visam a criação de soluções mitigadas, que passam pela abertura do sector á iniciativa particular, não só via privatização, mas sobretudo mediante a criação ou reformulação de soluções jurídicas, de onde a concessão é destaque. Por muitos que sejam os defeitos da época que agora finda, e de facto estes são imensos, não esqueçamos os seus ensinamentos. Sobretudo, esforcemo-nos por relembrar que o Estado é garante do funcionamento da Sociedade, como tal compete-lhe regular as relações entre sujeitos, tratando o igual como igual e o desigual como desigual, consequentemente, este necessita de ser imparcial. Ora, um excesso de intervencionismo, por muito bem intencionado que a principio fosse, a prazo inviabilizaria a referida imparcialidade, visto que o Estado se tornará crescentmente parte interessada de várias relações, e nesse sentido , cessará de ser efeciente no seu papel máximo de árbitro garante da paz social. Muitas vezes não lhe convirá tratar o igual como igual e o desigual como desigual.
Nesse sentido, será um erro injectar 50 ou 100 Biliões. Com isto não pretendo que o estado deveria ser omisso. Pelo contrario, a intervenção do Estado deve verificar-se, mas naquilo daquilo que é a sua função; o arbitro garante da paz social. Julgo que, no caso concreto da GM, a melhor acção passará por permitir a falência do grupo. Todavia, não uma falência no sentido estrito do termo, no sentido de um puro encerrar de portas, mas sim, no sentido daquilo a que chamei acima uma morte assistida da empresa. Com esta, o que se pretenderia verdadeiramente seria, não um puro encerrar de portas mas uma reorganização em sede de concertação social. Com a proposição do processo de falência a protecção estadual aos revendedores cessaria, seria possível renegociar os contratos de trabalho com os funcionários, e acima de tudo, poder-se-ia discutir a transferência dos pensionistas (ou pelo menos dos futuros pensionistas) ou para o Sistema Nacional de Previdência ou para Seguradoras. Afinal, por muito que no mundo da realidade seja a liberdade que oprime e a ordem que liberte, um excesso de ultima conduz ao atrofiamento da sociedade que a prazo, usualmente se traduz em mais um caminho para a servidão.