domingo, 23 de novembro de 2008

A insolvência como instrumento de reorganização do sector automovel: Um caminho possivel para a GM

Nestes últimos tempos, temos vindo a assistir ao que certos autores, entre os quais se destaca o celebrem Francis Fukuyama, designaram “O Fim da Era Reagan-Thatcher”. Aparentemente, ao contrario do que era pensamento corrente nos saudosos loucos anos 90, a Historia ainda não atingiu o seu estádio evolutivo último. A sociedade ocidental liberal e de Mercado não será afinal a apoteose de toda uma caminha. A ausência de titularidade por parte dos intervenientes no tecido produtivo, leia-se consumidores e produtores, de informação prefeita e da inerente impossibilidade de formulação de escolhas perfeitas plenamente racionais e objectivas levaria á necessidade de abandono deste modelo que se havia demonstrado como sendo perfeitamente bananeiro. Esta ausência de racionalidade prefeita e de um equilíbrio entre oferta e procura levaria á necessidade do preenchimento de um vazio deixado entre Consumidor © e Produtor (P) pelo Governo (G). Este velho-novo equilíbrio de cariz keynesiano estaria perfeitamente revelado nos sucessivos “bail outs” que temos vindo a assistir por este Mundo Globalizado fora, e do qual se destaca o Norte-Americano, não só pela avultosa soma de 700 Biliões de dólares envolvida, como também pelo seu simbolismo. É do país de Reagan, para o qual havia emigrado o “monetarismo”, que parte o sinal do falhanço das premissas do “laissez-faire”.
Contudo, esta nova ânsia interventiva do Estado no sector privado, embora compreensível, carrega consigo o sério risco de alastramento para outros sectores do tecido económico, como se de uma verdadeira epidemia se trata-se. Nesta semana, muito se tem discutido sobre a necessidade de um novo “bail out”, desta vez direccionado para o sector a automóvel. Mais uma vez, são os ventos que sopram dos Estados Unidos que moldam o tom da discussão, sendo que, neste caso especifico, o teor simbólico envolvido, a meu ver, reduz a uma mera nota de rodapé nos anais da Historia o “bail out” anterior. Afinal, convêm não esquecer o profundo significado do automóvel não só na psique americana, como também na mundial. Desde os seus primórdios, com o Fordismo que o sector automóvel era um sinonimo de pujança, poder, sucesso.
Ora, as ultimas noticias sobre o estado calamitoso do grupo General Motors (GM) como que deita por terra toda essa imagem, como se o fim de um certo modo de vida se trata-se De facto, olhando mais atentamente para a situação concreta do grupo, verifica-se que a rede de relações em que este é parte foram pensadas para uma era já finda. Relações essas que a não serem repensadas esgotaram qualquer sinal de vida que ainda reste. Porventura, o melhor será ponderar a possibilidade de proporcionar ao grupo uma morte assistida, de admitir a pratica de uma “eutanásia empresarial” ao caso sub Judice.
Passo a explicar: Depois de nos últimos 42 anos a cota de mercado do grupo ter deteriorado de 53% para 20% do Mercado Automóvel a escala mundial, a GM ainda é titular de 8 marcas de automóvel (Cadillac, Saab, Buick Pontiac, GMC, Saturn, Chevrolet e Hummer), contra, respectivamente, 3 marcas da Toyota (19% de cota de Mercado) e 2 da Honda (11% de cota de Mercado), os seus concorrentes directos.
A GM terá cerca de 7000 revendedores, apenas nos Estados Unidos, contra os menos de 1500 da Toyota, e os cerca de 1000 da Honda. Esta maior concentração, por parte dos seus concorrentes asiáticos, possibilita-lhes tanto uma maior capacidade de armazenamento, como uma disponibilidade para apresentar uma maior panóplia de serviços. A GM necessitaria de menos revendedores, inclusive, de menos marcas de automóvel. Contudo, relembremo-nos do velho brocardo romanista, “pacta sunt servanda”, os contratos são para comprir, que neste caso será de relembrar religiosamente, visto que os revendedores, nos EUA, se encontram protegidos contra uma quebra do contrato a nível do legislador estadual, o que torna tal acção astronomicamente dispendiosa para o Grupo. Note-se ainda, que uma percentagem cada vez mais significativa da despesa da GM se destina a pagar pensões de reforma para os seus antigos funcionários. Dá-se inclusivamente a situação assaz caricata de, actualmente, a maioria da despesa com trabalhadores se direccionar para a categoria de antigos funcionários já reformados. Paralelamente, a todo a grupo empresarial do em sentido concreto, este ainda comporta uma dimensão em sentido lato; a saber, toda a miríade de infra-estruturas de pequena ou media dimensão que dependem do grupo para assegurar os seus níveis de facturamento, como será o caso, dos fornecedores. Todos os sujeitos ou entidades acima mencionados pretendem que o presente status quo que se vive na GM seja protegido, mais precisamente, dadas as actuais circunstancias no cenário global, por um “bail out” ao grupo. Ora, em meu entender, uma injecção de capital neste produzirá efeitos nocivos, na medida em que possibilitaria a sobrevivência de um status quo que já não é do todo viável, visto que, uma vez dotados do capital, a pressão para mudanças profundas, isto é, para a reestruturação da empresa, seriam atenuadas, senão mesmo por completo afastadas, o que conduziria a que, a médio prazo, uma nova necessidade de intervenção estadual se tornaria premente, com o pequeno pormenor que aí os montantes envolvidos seriam significantemente superiores aos agora discutimos, nem que fosse por um aumento do número de reformados. De certa forma, poder-se-ia dizer que uma parte do problema da GM é semelhante á questão da solvência da Segurança Social. Aí, os governos ao invés de procurar um incremento da sua intervenção, visam a criação de soluções mitigadas, que passam pela abertura do sector á iniciativa particular, não só via privatização, mas sobretudo mediante a criação ou reformulação de soluções jurídicas, de onde a concessão é destaque. Por muitos que sejam os defeitos da época que agora finda, e de facto estes são imensos, não esqueçamos os seus ensinamentos. Sobretudo, esforcemo-nos por relembrar que o Estado é garante do funcionamento da Sociedade, como tal compete-lhe regular as relações entre sujeitos, tratando o igual como igual e o desigual como desigual, consequentemente, este necessita de ser imparcial. Ora, um excesso de intervencionismo, por muito bem intencionado que a principio fosse, a prazo inviabilizaria a referida imparcialidade, visto que o Estado se tornará crescentmente parte interessada de várias relações, e nesse sentido , cessará de ser efeciente no seu papel máximo de árbitro garante da paz social. Muitas vezes não lhe convirá tratar o igual como igual e o desigual como desigual.
Nesse sentido, será um erro injectar 50 ou 100 Biliões. Com isto não pretendo que o estado deveria ser omisso. Pelo contrario, a intervenção do Estado deve verificar-se, mas naquilo daquilo que é a sua função; o arbitro garante da paz social. Julgo que, no caso concreto da GM, a melhor acção passará por permitir a falência do grupo. Todavia, não uma falência no sentido estrito do termo, no sentido de um puro encerrar de portas, mas sim, no sentido daquilo a que chamei acima uma morte assistida da empresa. Com esta, o que se pretenderia verdadeiramente seria, não um puro encerrar de portas mas uma reorganização em sede de concertação social. Com a proposição do processo de falência a protecção estadual aos revendedores cessaria, seria possível renegociar os contratos de trabalho com os funcionários, e acima de tudo, poder-se-ia discutir a transferência dos pensionistas (ou pelo menos dos futuros pensionistas) ou para o Sistema Nacional de Previdência ou para Seguradoras. Afinal, por muito que no mundo da realidade seja a liberdade que oprime e a ordem que liberte, um excesso de ultima conduz ao atrofiamento da sociedade que a prazo, usualmente se traduz em mais um caminho para a servidão.

1 comentário:

Miguel Pinto Gonçalves disse...

Concordo com a solução defendida por vossa excelência. O estado(pai) que vigora forçosamente do ponto de vista ideológico, não pode acudir a todos os filhos. Só deverá salvar aqueles que têm futuro, ou seja, aqueles que apenas precisam de uma "ligeira" ajudar para encarrilarem novamente depois da tempestade.
Parabéns pelo profundo mergulho analítico intelectual.
Esperamos o próximo.